segunda-feira, 23 de junho de 2008

sentimento padrão

“- Alô?”

...

“- É mesmo, já faz bastante tempo...”

...

“- Sábado que vem?”

...

“- Sei. Não vai dar, é que a minha mãe vai fazer uma cirurgia na sexta e provavelmente vai precisar de mim no final de semana, deixa pra próxima...Tá? Beijinhos, até.”

“- Ué, sua mãe está doente?”

“- Não, por quê?”

“ - Pensei ter ouvido você dizer, ao telefone, que ela ia fazer uma cirurgia...”

“- Kô.”

“- Ah... Quem era?”

“- Um amigo. Ou pelo menos alguém que eu achei que fosse.”

“- E por qual motivo você mentiria sobre a sua mãe?”

“- Ele me chamou pra tomar um chopp... Só quis quebrar o padrão.”

“- Padrão?”

“- Ele é afim de mim, porque há muito tempo atrás ele fez curso de inglês comigo. Ele sempre achou o máximo essa minha marra toda, minha atitude forte e, acredite, nem sempre positiva, minha explosão, meus acessos de fúria... Ele nunca chegou em mim porque eu namorava, mas sempre deixou bem claro tudo isso. Ele achava incrível a maneira como eu tratava meu namorado, a maneira que a gente conversava, a luz nos olhos, tenho certeza que ele passou grande parte da nossa convivência acreditando que os namoros dele não deram certo porque ele não tinha tido a chance de estar com alguém como eu. Por isso ele me chamou pra um chopp, viu no Orkut que eu estou solteira, resolveu ligar... É isso.”

“- Se é só isso você não foi por quê? É só um chopp.”

“- Pra evitar o padrão.”

“- Meu Deus! Que padrão é esse?”

“- Funciona assim, a gente ia sair sábado e ia tomar um chopp, ia ser muito legal, a gente ia conversar e rir de tudo e todos, ele ia me levar em casa e me diria porquê resolveu fazer o convite, eu não ficaria com ele porque ainda não digeri a idéia e, bem ou mal, somos apenas amigos. No domingo de manhã ele ia me ligar pra gente ir a praia ou talvez, um cinema... Passaria a semana inteira me ligando, me bajulando, dizendo que eu sou única, e provavelmente criaria um momento constrangedor envolvendo os pais dele, talvez no final de semana seguinte, ele me apresentaria como amiga, mas quando seus pais virassem as costas me diria que preferia ter dito ‘namorada’. Vou começar a ficar encantada com tudo aquilo e provavelmente a gente vai ficar... Vai ser maneiro nas primeiras semanas, mas ele vai começar a ficar com o pé atrás por causa do meu jeitão defensivo e vai mudar comigo. Eu, percebendo a atitude, vou ficar ainda mais na defensiva. Quando aquele rolo chegar à marca de um mês, ou um pouco mais, ele vai se cansar do meu jeito autoritário, da minha falta de afeto, vai começar a achar que talvez não fosse nada daquilo e que a minha ‘marra’ não tem graça nenhuma e das duas uma: ou ele simplesmente começa me evitar e um dia some sem deixar recado, ou vai me pedir pra mudar meu jeito de agir. Mas normalmente ele ficaria com a primeira opção.”

“- E você prefere assim.”

“- Na verdade nunca parei pra pensar... Acho que prefiro, dói menos, mas é um pena.”

“- Ahh! Amiga...”

“- É sério. Pra mim é melhor que suma, que me esqueça. De certa forma, faz mais sentido, mas algumas coisas ele nunca saberia.”

“- Tipo...”

“- Ele nunca vai saber que meu coração é mole... E é tão mole que, quando eu desço, à noite, pra comprar comida, eu volto rezando pra não ter nenhum mendigo no caminho porque eu acho indigno um pessoa não ter um teto pra dormir e já que o fará, então, que o faça de barriga cheia. Não teria dado tempo dele perceber que quando chego na casa dos outros cumprimento os animais da casa, antes de falar com as pessoas, pois tenho certeza que a recepção calorosa deles é de coração. Quando vejo um filme, sempre choro, ainda que disfarçadamente e não gosto de comédias românticas porquê me deprimem, pois idealizo um amor com dança na chuva, tipo o da Brigitte Jones. É estranho pensar que alguém passou pela minha vida e não sabe que eu choro quando como alguma coisa que quero muito, pois penso em quantas pessoas estão à beira da miséria naquele exato momento... Não teria dado tempo criarmos uma piada interna e saturarmos ela ao extremo! Nenhum banho de chuva, nenhuma lágrima, nenhum afago... Seria impossível ele saber que eu gosto muito de uma selvageria quando bebo, mas que o quê eu gosto mesmo é de meia luz e olho no olho e, se for de coração, um “eu te amo” antes de dormir. Então, já que nada disso foi possível e a idéia que têm de mim é tão torta, tão ruim, acho melhor que não me procure mais. E volte a olhar de longe e se perguntar onde foi que erramos, sim, porque de longe ele vai voltar a enxergar a beleza por trás da casca grossa que me protege.”

“-Não sei o quê dizer.”

“- Não precisa dizer. É só um padrão, e ele já se repetiu tantas vezes, que a melhor maneira de evitá-lo é não tomar esse chopp. Poucos quebraram o padrão.”

“- Que bad, amiga.”

“- Um chopp, um padrão... É melhor que, por ora, ninguém se machuque.”

“- Também acho. Melhor assim.”