Lembro-me como se fosse ontem, o dia em que acordei pela manhã e você estava ao pé da cama, velando meu sono. Quando perguntei o que fazia, respondeu: “te amando” e com um beijo, deixou o quarto. No café da manhã, citou “As sem-razões do amor” de Drummond, e entre um gole e outro no leite quente, um sorriso. Talvez eu fosse pequena demais pra lembrar que era Dia das Mães e por outro lado, você me perdoava e se perdoava pelo fato de nunca ter deixado que alguém assumisse essa “responsabilidade de pai” e me comprasse um presente para que eu a entregasse, como meu. Hoje, entendo que aquele era o seu presente. De você pra você, eu. Filha única de mãe solteira. Sem substitutos. Sem reservas. Só você e eu. Agora estou crescida, talvez nem tanto. Imaturidade. Meu vício secreto. Mas o documento não mente. Felizmente, lúcida o suficiente para reparar que, no mundo capitalista em que vivemos, pelo menos um mimo é necessário. Esse ano eu quis dar mais que uma jóia. Eu queria aquela, que fez com que você sorrisse por um domingo inteiro. Eu. Eu e você. Só que dessa vez, um presente de J. pra mamãe. E você nem desembrulhou o presente. Chegou, sentou, sacudiu a caixa e saiu. Acho que já não sou mais o seu número... Nem se quer um obrigada, pra quem só esperava um sorriso. As lembrancinhas que acompanhavam o presente – chocolates, cartões, aquele anel que você queria, o perfume – vão chegar pelo correio. E eu? Com todos aqueles beijos e abraços que levei no pacote? E o prejuízo emocional? Sabe aquele cheiro? Aquele cheiro azedo que você conhece tão bem? Aquele que sai da ponta dos meus dedos e de trás da minha orelha, impregnando minha roupa. Avisando aos presentes que apesar das gargalhadas e dos sorrisos, existe alguma coisa errada, dentro de mim. Esse cheiro que tanto preocupa você, por saber que algo me magoou ou me assusta, está em mim. Desde sábado. Não tem banho que baste. Não tem perfume que chegue. Não tem quem aguente. Talvez meus amigos estejam pensando que o desodorante venceu, ou o “tênis pé” é velho... Mas quem liga? Poucos são os que me conhecem como você. Eles não sabem dessa minha súplica, silenciosa por dois minutos de atenção. Eles não sabem que, pra essa “inhaca” passar eu só preciso ouvir: “te amando”, pra que eu me sinta o melhor dos presentes. Nosso pra nós. Sem reservas. “Por que amor, não se troca. Não se conjuga, nem se ama.” – Drummond.
Sinceros lamentos.
Sinceros lamentos.
J.